Primeiro Parto em Casa

Neste dia, despertei a pensar no que mais faltaria para me sentir pronta e que razões teria para que o D. continuasse em mim. Radmila profetiza “Arranja o ninho e quando estiver pronto avisa-me, aí esse bebé nasce”.

Radmila Jovanovic é a obstreta, a médica dos partos naturais. Conheci-a às 22 semanas. Soube, simplesmente, que estava frente-a-frente com o canal que a grande mãe escolhera. Com ela tornava-se possível as mães do mundo, reencontrarem-se consigo próprias e, curarem-se. As nossas consultas eram, sessões puras de psicoterapia da alma e psicologia do profundo, conectadas à ‘terra’ da ciência obstétrica. Agradeço, eternamente, os nossos caminhos terem-se cruzado. Ali tive acesso à alquimia da mulher—aquele potencial transmutável em Ouro.

Consulta após consulta, a vontade de ter o D. em casa imperava e tornava-se quase numa evidência. Os amigos questionavam: “Como consegues ter assim tanta confiança nessa médica?” A confiança não assentava na médica, mas em mim. E, posso acrescentar, na altura, não se tratava de uma questão de confiança, era uma demanda interna. Radmila tinha deixado bem claro, não era ‘médica de partos em casa’, excepto se ocorresse algum imprevisto. …Pois! Se o universo confluisse a meu favor, ia conseguir.

Pedi à Joana que lembrasse a Radmila de, o mais próximo da data, esterilizar ‘aqueles’ utensílios da sua maleta médica (que não fosse por isso) e ‘como quem não quer a coisa’ às 39 semanas, trazia comigo uma caixa de anestesias a guardar no frigorífico (caso fosse necessário ser cozida ou, sei lá). Jamais podem imaginar o que senti a partir daquele momento! Apavoradamente feliz, trazia comigo a sensação da certeza que o D. nasceria em casa, tão naturalmente quanto possível.

Joana Guimarães, a doula. Gerou-se entre nós uma empatia tal, foi num piscar de olhos que passou de assistente a minha doula. Felicidade pura. Joana não é só doula, nem só amiga querida é algo que ultrapassa os limites da razão e povoa o universo das fadas e anjos que nos amparam. Está além da palavra.

E, tudo estava a acontecer! O Universo confluía mesmo a favor.

Portanto, às 39 semanas, estava ainda a completar o nosso ninho: os turcos velhos da mãe; a lona que guardava a mota lá fora; as flores que tinham entrado num sonho; os CDs especialmente gravados; as velas que tinham de ser bastantes; o cristal grande de cura; o pano mexicano que me fazia próxima da Naoli Vinaver; o banho de castanha-da-índia; o termo de chá para servi-lo já pronto e bem quentinho. Todas os detalhes que me fazia sentir pronta para o grande momento, sem pretextos para prolongar a magia da barriga. Estava quase tudo, excepto: a mala do hospital (nunca cheguei a fazer, o que incomodava os demais), o berço de lavado e alguns detalhes de anfitriã, da que seria a maior celebração de vida, da minha vida.

E, na manhã das 39 semana e 5 dias, descobri pela primeira vez o tal do rolhão que enunciava a eminência do parto. E assim, entusiasmada, telefonei à Joana a contar-lhe. “Pode demorar semanas, dias ou horas a desenrolar-se”, disse-me.

Saí de casa em busca dos últimos detalhes. Comprei uma série de mimos saudáveis (caso o parto ocorresse nas próximas horas) a oferecer aos convidados daquele festim de vida. Estavam já encomendadas as flores, os termos e o cristal. Estava mesmo tudo pronto! Pensei em regressar a casa deitar-me e relaxar um pouco… “É desta que me vou estender no sofá a tarde toda” e assim que me deitei no sofá, Maktub! A Bolsa rebentou, sem ruído, sem permissão e as águas soltaram e permitiram um alívio, a tal liberdade suplicada. Liguei à Joana que ligou a Radmila.

A minha mãe já lá estava, o meu irmão que trabalhava em Espanha e regressava mais tarde, naquela 4ª feira, coincidentemente, estava a chegar. O N. vinha já a caminho.

O espetáculo estava prestes a começar!

Preparámos o quarto. Lona no chão, cobertores, lençóis e turcos. Flores no corner da música, CDs a postos, incenso a esvoaçar, cristal bem no centro e luzes baixinhas. No momento certo iluminar-se-iam as velas!

Tinha pensado em tamboril e gambas para dois, com o intuito de fazer uma carilada e despedir-me do picante. Como sem querer era dia de festa e haviam convidados de última hora a chegar, preparei mais peixe a contar com todos. Para mim a despedida já era, estava interdita de comer. E assim, abriu-se a melhor garrafa de vinho tinto e a festa começou!

Tomei consciência que estava, já de alguma forma, em estado alterado de consciência quando o N. me perguntou quantas chávenas de arroz serviam 5 pessoas: What? Hard question. Agora não sei… não consigo pensar, não me apetece… Era anti-meu-estado. Estava incapaz de responder a uma pergunta tão simples quanto esta, tão fora, tão longe de mim naquele momento. Enquanto isso continuava a preparar o berço e já não acertava com as fitas e com os lençóis. Uma moca do caraças.

As contrações não sei… não as contava. Eram algumas mas, de pouca intensidade. Radmila observava-me com o seu olho clínico e dizia-me que não gostava da minha cara. Hã? Oi? Estou a sentir-me tão bem, com imensa vontade de sorrir e… sorrir! Nesta altura, sentia-me num plano qualquer subtil, do Amor e da Paz para tudo e todos. Um Amor enorme dentro do meu coração, um Amor além de mim e dali.

Radmila, tinha chegado por volta das 19h, com o seu ar prático e despachado, olhou para o relógio e disse-me que o meu bebé iria nascer lá para as 7h da manhã. Xiiii!! Uma direta? Será?

Só após todos jantarem percebi que estar e continuar com boa cara, não era lá muito bom sinal. Se dentro de seis horas o trabalho de parto não evoluísse mais do que até ali, teríamos de avançar para o plano B: Hospital mais próximo. Lembro-me de olhar bem no olho de Radmila e dizer-lhe, com a mão pousada sobre o seu ombro: “não se preocupe, eu tenho a certeza que o meu bebé vai nascer aqui”. Recostando-se no futon no chão do quarto, Radmila anunciou “assim que deixares de sorrir avisa-me!”

CONTINUA…

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